quinta-feira, 17 de março de 2011

Raiva é amor!

"Tudo bem se não deu certo
Eu achei que nós chegamos tão perto
Mas agora - com certeza eu enxergo
Que no fim eu amei por nós dois"

Sento-me em um canto. No canto esquerdo de uma sala cheia de sorrisos largos. Sento-me do lado de uma parede de azulejos brancos, infestados de flores amarelas. Sento-me aqui, pois sinto um maior aconchego, afinal não tenho teus braços para me enforcar de amor. Sem poder adormecer nos teus braços como posso sonhar?

Ainda leio aquele bilhete deixado em baixo da porta me dizendo não, não volte nunca mais pra mim.

Mas eu bem sei que aquela letra não fora sua. Conheço bem minha caligrafia, cada mania, cada traço. Definitivamente não fora você quem escreveu este bilhete, que agora encharcado com minhas lágrimas fazem desaparecer cada letra.

Como seria bom de junto com essas letras, minhas lágrimas também pudessem levar suas lembranças de dentro de mim. Ah, quão bom seria que ela na verdade apagasse tudo o que aquele bilhete me causou, te causou. Que ela levasse também nossas pegadas na areia. Como seria bom se ela apagasse você de minha vida. Não tenho raiva de você. Eu tenho raiva é do seu abraço protetor, das suas mãos entrelaçadas no meu cabelo, tenho raiva do seu coração longe do meu. Tenho raiva de você, quando uso aquela roupa, e você não está. Do som do seu carro que deixou as músicas, mas não você. Tenho raiva de você.

segunda-feira, 14 de março de 2011

Nunca foi amor!

"Se era amor? Não era. Era outra coisa. Restou uma dor profunda, mas poética. Estou cega, ou quase isso: tenho uma visão embaraçada do que aconteceu. É algo que estimula minha autocomiseração. Uma inexistência que machucava, mas ninguém morreu. É um velório sem defunto. Eu era daquele homem, ele era meu, e não era amor, então era o que?
Dizem que as pessoas se apaixonam pela sensação de estar amando, e não pelo amado. É uma possibilidade. Eu estava feliz, eu estava no compasso dos dias e dos fatos. Eu estava plena e estava convicta. Estava tranqüila e estava sem planos. Estava bem sintonizada. E de uma dia para o outro estava sozinha, estava antiga, escrava, pequena. Parece o final de um amor, mas não era amor. Era algo recém-nascido em mim, ainda não batizado. E quando acabou, foi como se todas as janelas tivessem se fechado às três da tarde num dia de sol. Foi como se a praia ficasse vazia. Foi como um programa de televisão que sai do ar e ninguém desliga o aparelho, fica ali o barulho a madrugada inteira, o chiado, a falta de imagem, uma luz incômoda no escuro. Foi como estar isolada num país asiático, onde ninguém fala sua língua, onde ninguém o enxerga. Nunca me senti tão desamparada no meu desconhecimento. Quem pode explicar o que me acontece dentro? Eu tenho que responde às minhas próprias perguntas. Eu tenho que ser serena para me aplacar minha própria demência. E tenho que ser discreta para me receber em confiança. E tenho ser lógica para entender minha própria confusão. Ser ao mesmo tempo o veneno e o antídoto.
Se não era amor, Lopes, era da mesma família. Pois sobrou o que sobra dos corações abandonados. A carência. A saudade. A mágoa. Um quase desespero, uma espécie de avião em queda que a gente sabe que vai se estabilizar, só não sabe se vai ser antes ou depois de se chocar com o solo. Eu bati a 200Km/h e estou voltando a pé pra casa, avariada.
Eu sei, não precisa me dizer outra vez. Era uma diversão, uma paixonite, um jogo entre adultos. Talvez seja este o ponto. Talvez eu não seja adulta suficiente para brincar tão longe do meu pátio, do meu quarto, das minhas bonecas. Onde é que eu estava com a cabeça, Lopes, de acreditar em contos de fadas, de achar que a gente manda no que sente e que bastaria apertar o botão e as luzes apagariam e eu retornaria minha vida satisfatória, sem seqüelas, sem registro de ocorrência?
Eu nunca amei aquele cara, Lopes. Eu tenho certeza que não. Eu amei a mim mesma naquela verdade inventada. Não era amor, era uma sorte. Não era amor, era uma travessura. Não era amor, era sacanagem. Não era amor, eram dois travessos. Não era amor, eram dois celulares desligados. Não era amor, era de tarde. Não era amor, era inverno. Não era amor, era sem medo. Não era amor, era melhor."

(Martha Medeiros - Divã)

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